segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Cabeza de Vaca e as Cataratas do Iguaçu
"...Tendo deixado os índios do rio Piquiri muito contentes,o governador seguiu o seu caminho (...) por onde passavam, os índios cantavam e dançavam e sentiam maior prazer quando as velhas se alegravam, pois são muito obedientes a estas, o mesmo não se dando com relação aos velhos. (...) o governador comprou algumas canoas dos índios e embarcou com oitenta homens rio Iguaçu abaixo (...) mas (...) era tão forte a correnteza que as canoas corriam com muita fúria. Logo adiante do ponto onde haviam embarcado o rio dá uns saltos por uns penhascos enormes e a água golpeia a terra com tanta força que de muito longe se ouve o ruído. (...)"
A fundação de Foz do Iguaçú no final do século XIX, transformado em município em 1914, possibilita a "redescoberta" das cataratas, aos poucos. Em abril de 1916, o inventor e aeronauta Santos Dumont após conhecer os saltos, é o primeiro a sugerir a criação de um parque nacional para a proteção da área. No mesmo ano, em 28 de julho o presidente (governador) do Estado do Paraná, Affonso Alves de Camargo, transformou em terras públicas a região que abriga as cataratas. Em 1934, foi criado o Parque Nacional do Iguassu, no lado da Argentina, e em 1936 o Parque Nacional do Iguaçú no lado brasileiro.
Tarobá, jovem guerreiro da tribo se enamora de Naipi e no dia da consagração da jovem, fogem para o rio que os chama: - "Tarobá, Naipí, vem comigo!" Ambos desceram o rio numa canoa. M’Boy, furioso com os fugitivos, na forma de uma grande serpente, penetrou na terra e retorceu-se, provocou desmoronamentos que foram caindo sobre o rio, formando os abismos das cataratas. Envolvidos pelas águas, caíram de grande altura. Tarobá transformou-se numa palmeira à beira do abismo, e Naipí, em uma pedra junto da grande cachoeira, constantemente açoitada pela força das águas. Vigiados por M’Boy, o deus-serpente, permanecem ali, Tarobá condenado a contemplar eternamente sua amada sem poder tocá-la".
Vale a pena conhecer.
http://www.diaadiaeducação.pr.gov.br/
http://www.h2foz.com.br/
http://www.wikpedia.com/
http://www.google.com/
SHIMIDT, Maria. Nova História Crítica. 1.ed. São Paulo: Nova Geração, 2005.
CARDOSO, J. A.; WESTPHALEN, C. M. Atlas Histórico do Paraná. Curitiba: Editora Livraria do Chaim, 1986.
Naufrágios & Comentários, o relato de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca
Precioso como fonte primária, este relato conta as aventuras e desventuras deste que foi um dos mais intrépidos e incomuns conquistadores da história colonial da América. Ao naufragar na Flórida em 1527, ele caminhou, descalço e nu, dezoito mil quilômetros até o México, onde chegou em 1537.
Em 1541, nomeado governador do Rio da Prata, Cabeza de Vaca aportou na ilha de Santa Catarina – onde viveu alguns meses – e dali partiu, também a pé, rumo a Assunção, Paraguai, onde chegou em 1542. Durante toda sua vida aventureira – na Flórida, no Texas, no México, no Brasil e no Paraguai –, lutou em favor dos povos indígenas. E pagou caro por isso: foi preso e enviado para o exílio. Em Naufrágios e comentários, Cabeza de Vaca narra suas fantásticas aventuras e desventuras bem como suas infrutíferas tentativas de impedir o genocídio perpetrado pelos brancos na América.
Henry Miller
Desde minha jornada através do Pesadelo Refrigerado [1],tenho permanecido obcecado pela idéia de que a maior desgraça já imposta ao homem branco aconteceu neste continente. Mesmo quando criança, ficava impressionado com a história de que os índios haviam recebido os primeiros brancos como deuses. Mais tarde, já adulto, e particularmente como americano, não havia nada relacionado à desumanidade do homem com seu semelhante que me entristecesse mais do que o vergonhoso registro de nossas relações com os índios. Passei então a considerar essa fase da nossa história de outra maneira, de uma maneira ainda mais triste. Vi a recusa do homem branco em representar o papel que era esperado dele como uma oportunidade perdida – uma oportunidade de fato, e que talvez jamais lhe seja dada novamente.
Então surgiu a história de Cabeza de Vaca, dos milagres que realizou, não apenas para si mesmo como para outros. Foi o primeiro momento glorioso que encontrei na legenda sangrenta criada pelos conquistadores. Devo acrescentar que, na verdade, trata-se de um período glorioso para a história do homem como um todo porque De Vaca, num determinado momento, deixa de ser um personagem histórico e se torna um símbolo. É esta visão da jornada que me faz preferir seu relato ao de outros. Qualquer análise mais profunda deste livro eleva seu drama a um plano que pode ser comparado a outros eventos espirituais na cadeia dos esforços incessantes do homem em busca da autolibertação.
Para mim, a importância deste registro histórico não está no fato de que De Vaca e seus homens foram os primeiros europeus a atravessar o continente americano, que abriram caminhos que outros exploradores seguiram, ou que suas peregrinações provaram a existência de uma massa de terra de proporções continentais ao norte da Nova Espanha, ou mesmo porque, com seus inflamados protestos, De Vaca fez terminar – ainda que momentaneamente – as bárbaras capturas de escravos naquela região; mas sim porque, em meio a suas provações, depois de anos de infrutíferas e amargas peregrinações, um homem que já havia sido um guerreiro e um conquistador, fosse capaz de dizer: “Ensinarei o mundo a conquistar pela bondade, não pela matança”. Porque, no curso de suas atribulações e triunfos, Cabeza de Vaca veio finalmente a compreender que “um homem é tanto quanto ele é perante Deus, e não mais”, para usar as palavras de São Francisco. A jornada é o simples e comovente relato de um homem destituído de tudo e obrigado a agir em cada momento de sua vida sob a visão de Deus.
Tão terrível quanto estar separado de seus companheiros, permanecer nu e faminto durante dias e semanas, às vezes meses sem fim, tão terrível e humilhante quanto ser feito escravo pelo povo que tinham vindo conquistar, o pior mesmo “era abandonar pouco a pouco os pensamentos que vestem a alma de um europeu, e mais do que tudo a idéia de que o homem adquire força através do punhal e da adaga...” Quão eloqüentes são suas palavras quando, perto do final da jornada, ele encontra os outros membros da expedição, que tinham devastado a terra e escravizado os índios. “Ao encarar estes saqueadores”, escreve, “fui compelido a encarar o cavaleiro espanhol que eu mesmo tinha sido oito anos atrás.”[2]
Este tema retorna outra vez: o homem que eu era contra o homem que sou agora. A conversão não foi apenas profunda e completa, mas viva em sua consciência, a um grau quase intolerável de se ler.
Há uma tendência por parte dos comentaristas de não acreditarem nos prováveis milagres operados por Álvar Núñez Cabeza de Vaca. Incapazes de negar a veracidade desses fatos, buscam explicá-los insinuando que, conscientemente ou não, os espanhóis apenas imitaram os xamãs indígenas. Louvam a modéstia dos espanhóis, que atribuíram seu sucesso ao auxílio direto do poder divino, mas ao mesmo tempo tentam desculpar os exageros e equívocos nascidos de uma imaginação inflamada. Por essa atitude, parece-me que fogem por completo da questão dos milagres. Afinal, se De Vaca e seus homens são considerados suspeitos, que dizer então dos poderes efetivos dos xamãs?
O que me parece evidente é que os europeus civilizados de quatro séculos atrás já haviam perdido algo que os índios ainda possuíam – e, em determinadas regiões, possuem ainda. Nenhum de nossos pajés modernos, apesar da “superioridade” de seu conhecimento e equipamento, é capaz de realizar curas milagrosas. Parece ter sido esquecido que os espanhóis adquiriram seus poderes para curar apenas quando suas vidas estavam ameaçadas. Se tivessem sido hábeis e perspicazes observadores das práticas dos xamãs, teriam explorado esses poderes muito antes de atingirem tal extremo. Nada pode ser explicado ao, simplesmente, atribuir-se seu sucesso parcial ou provável a “um novo procedimento, desconhecido e incrível”. Estamos interessados é em saber como e por que esses métodos funcionavam e, se funcionavam, por que agora já não funcionam?
Acredito também, e por isso nunca cessarei de falar deste pequeno livro, que a experiência desse espanhol solitário e deserdado no sertão da América anula toda a experiência democrática dos tempos modernos. Creio que, se vivesse hoje e lhe mostrassem as maravilhas e horrores do nosso tempo, ele voltaria instantaneamente ao modo de vida simples e eficaz de quatro séculos atrás. Acredito que São Francisco faria o mesmo, assim como Jesus, Buda e todos aqueles que viram a luz. Não consigo acreditar em nenhum momento que teriam alguma coisa a aprender com nosso modo de vida.
As propostas deste acordo de boca mundial eu conheço, mas suas atitudes falam distintamente. De Vaca aprendeu que se cura pela fé, que se conquista pela bondade. “É curioso”, escreve a Sua Majestade, “quando não se tem ninguém ou nada em que se confiar a não ser em si mesmo.” Sim, é realmente curioso. “Para se entender o que significa não ter nada, é preciso não ter nada.” Verdade. E, ainda assim, apenas um punhado de homens em toda a história se atreveram a esta experiência.
Os homens que governam o mundo prometem isto e aquilo, liberdade, honra, segurança e – trabalho. Suas promessas são vazias e têm se provado vazias sempre. Mas os homens vazios gostam de promessas vazias. O homem que aconselha: “Olhe para você mesmo, o poder está dentro de você!” é visto como um sonhador e um louco. Mas estes são os homens que fizeram milagres, que mudaram o mundo. Nenhum deles falou de posse, segurança, honra ou de liberdade. Falaram de Deus e de sua presença em todos os lugares, mesmo na alma de um descrente. Falaram dos ditames do coração, de dedicação e devoção, em servir o próximo, de caridade, de amor, de tolerância e indulgência, de humildade, de perdão. Cabeza de Vaca foi um dos poucos homens deste grande hemisfério que agiu sob estes princípios de fé. A história simples de sua iluminação, sua irrevogável mudança de coração, apaga os rastros sangrentos de Cortez e Pizarro e de todos os conquistadores da terra desde tempos imemoriais. Nos leva a acreditar, desde o fundo de nossos corações, que um homem pode parar em seu caminho e, ao encarar a verdade, exemplificá-la através da ação. Nos leva a acreditar ainda mais que, na verdade, nada menos do que isto jamais satisfará o homem. E acredito ser este o significado da jornada que estamos todos fazendo.
[2] Esta e todas as demais citações que Miller faz das palavras de Cabeza de Vaca não são textuais. Foram tiradas de uma novelização bastante precisa da trágica viagem do conquistador, feita em 1939 por Haniel Long e publicada sob o título de The Marvelous Adventure of Cabeza de Vaca (Frontier Press, 1941). Originalmente, o prefácio de Miller foi escrito para o livro de Long. (N.E.)
Sobre a figura histórica de Cabeza de Vaca
Eduardo Bueno
Foi enquanto se encontrava na ilha Terceira, no arquipélago dos Açores, aguardando o retorno à Espanha depois de dez anos de terrível peregrinação por pântanos, desertos e montanhas da América do Norte que Álvar Núñez Cabeza de Vaca deve ter recebido as primeiras informações precisas sobre a região do rio da Prata, da qual em breve se tornaria governador.
Era junho de 1537 e Cabeza de Vaca, então com 45 anos, estava voltando para casa como um dos quatro únicos sobreviventes da mais fracassada entre inúmeras expedições malsucedidas à Flórida. Chefiada por Pánfilo de Narváez, um truculento veterano da conquista de Cuba, essa aventura iniciada em julho de 1527 custara a vida de quase quinhentas pessoas em troca de nenhum resultado prático.
Apenas De Vaca, seus companheiros Andrés Dorantes e Alonzo del Castillo, mais o escravo mouro Estevan, foram capazes de sobreviver aos inúmeros naufrágios, vários combates contra os indígenas e quase três anos de escravidão. A seguir, se tornariam os primeiros homens do outro lado do Atlântico a cruzar os atuais estados do Texas, Novo México e Arizona; os primeiros a se defrontar com o bisão, a atravessar o rio Grande e a entrar em contato com tribos que, mais tarde, teriam um papel histórico bastante significativo, como os sioux e os zuni.
Mas a única informação realmente importante que puderam oferecer ao vice-rei da Nova Espanha, Antônio de Mendoza, quando por fim, depois de uma jornada verdadeiramente épica, conseguiram atingir a cidade do México, tendo caminhado, descalços e nus, mais de dezoito mil quilômetros desde os charcos da Flórida, era – como expedições posteriores amargamente descobririam – apenas uma lenda.
A notícia que De Vaca e seus homens traziam se transformaria num dos mitos mais duradouros da conquista do sudoeste dos Estados Unidos. E clamaria ainda muitas vidas antes de revelar-se lendária. Próximas aos desertos pelos quais cruzara Álvar Núñez com os mais de mil índios que o seguiam, perdida entre cactos imensos e dunas escaldantes, erguiam-se, segundo garantiam os indígenas, as riquíssimas Sete Cidades Douradas de Cíbola – cada qual maior e mais suntuosa do que Tenochtitlan, a capital asteca descoberta e conquistada por Cortez em 1519.
Embora originária de uma tradição medieval e provavelmente ibérica, bastante difundida em Portugal ao tempo de dom Henrique, o Navegador, a lenda das Sete Cidades1 despiu-se de seu caráter insular e arrastou para o coração desértico da América do Norte pelo menos três expedições – uma delas sob a orientação de Estevan, o negro, que nela foi morto pelos zuni; outra chefiada por Francisco de Coronado, que acabaria por descobrir o Grand Canyon do rio Colorado.
Provavelmente, menos pelas riquezas fabulosas de Cíbola do que pelo fervor com que abraçara a defesa dos povos indígenas com os quais havia cruzado ao longo de seu caminho – e também, é claro, pelo enorme poder político que obteria –, Cabeza de Vaca retornou à Espanha disposto a convencer o imperador Carlos V a nomeá-lo Adiantado da Flórida e das novas províncias que ajudara a descobrir. Foi uma amarga decepção saber que tal título já havia sido concedido a Hernando de Soto nos primeiros meses de 1537.
É provável que De Vaca então tenha lembrado do que o piloto Gonzalo de Acosta, um português a serviço de Castela, lhe falara quando os navios de ambos se encontraram nos Açores. Voltando para casa depois de dez anos de desventuras, Cabeza de Vaca só havia chegado à ilha Terceira porque seu navio fora salvo do ataque de piratas franceses por uma armada de nove caravelas portuguesas. Já Acosta, ou da Costa, conduzia a nave Madalena, com a qual dom Pedro de Mendoza, o primeiro Adiantado do rio da Prata, abandonara Buenos Aires em princípios de 1537 e na qual morreria, fulminado pela sífilis, antes de chegar à Espanha. Acosta certamente descreveu as imensas dificuldades pelas quais passavam os primeiros povoadores do rio da Prata; a revolta dos índios querandis, que sitiavam Buenos Aires; a truculência e os desmandos de Domingo de Irala que se autoproclamara substituto de Mendoza e que, mais tarde, se tornaria o principal inimigo político de Cabeza de Vaca.
As provações, maus-tratos e perigos vividos por De Vaca nas vastidões desoladas da América do Norte, somados a um passado repleto de lutas e atribulações inúmeras, parecem não ter sido suficientes para aplacar a sede de aventuras deste homem intrépido e incomum. Ao perceber que não lhe restavam chances de retornar à Flórida como governador, passou a articular, junto ao Conselho das Índias, sua nomeação como o segundo Adiantado do rio da Prata. Em setembro de 1539, finalmente alcançou seu objetivo. E em 2 de novembro de 1540 zarpou de Cádiz, outra vez no rumo da América – só que agora em direção ao sul.
É então que a trajetória deste conquistador de vigor inquebrantável mas invariavelmente perseguido pelo fracasso se mistura, ainda que brevemente, à história colonial do Brasil. E mesmo que Cabeza de Vaca tenha permanecido apenas alguns meses em terras hoje brasileiras, sua experiência poderia ter significado uma radical mudança de curso no trágico relacionamento entre brancos e índios neste país – e em todo o continente. Caso suas estratégias de ação tivessem encontrado eco entre os demais conquistadores, o genocídio dos povos indígenas, as dificuldades pelas quais passaram os próprios colonizadores e talvez até a destruição dos ambientes selvagens, tudo poderia ter sido evitado. Hoje, enquanto as florestas tombam e os povos indígenas da América vão sendo rapidamente aculturados ou extintos, a utopia de Cabeza de Vaca – à medida que se torna cada vez mais inalcançável – revela-se inteiramente plausível.
Há muita polêmica em torno da data e do local de nascimento de Álvar Núñez Cabeza de Vaca. O mais provável é que tenha se dado em Jerez de la Frontera, no primeiro semestre de 1492. Como não existem provas documentais definitivas, alguns estudiosos preferem considerá-lo natural de Sevilha, enquanto que o ano de seu nascimento tem variado de 1490 a 1507 – data bastante improvável, uma vez que ele dificilmente seria nomeado tesoureiro da expedição de Narváez caso tivesse apenas vinte anos.
Álvar Núñez era filho de Francisco de Vera e de Teresa Cabeza de Vaca. Seu avô paterno, Pedro de Vera, morto em 1500, foi o conquistador das ilhas Canárias e um dos heróis da reconquista de Granada. O sobrenome mais nobre, porém, era herança de dona Teresa e fora concedido à família dela em 1212, quando um certo Martin Alhaja descobriu uma estreita passagem entre as escarpas rochosas da Serra Nevada e a assinalou com o crânio de uma vaca. Por esta passagem cruzaram os exércitos dos reis de Castela, Aragon e Navarro para vencerem a importante batalha de Navas de Tolosa, em 12 de junho de 1212. Agradecidos, os soberanos concederam ao camponês o título de nobreza que mudaria definitivamente o nome da família.
Álvar foi o terceiro de seis irmãos que muito cedo ficaram órfãos de pai e mãe – Teresa e Francisco morreram, com certeza, antes de 1505. As crianças foram criadas por Beatriz de Figueroa, irmã de Teresa, e enviadas para Sevilha em 1512. Neste mesmo ano, segundo o historiador americano Morris Bishop,2 Cabeza de Vaca alistou-se na armada que o rei Fernando, de Castela, enviou à Itália para ajudar o papa Júlio II em sua luta contra os príncipes italianos e aliados franceses. Se assim foi, De Vaca deve ter participado da sangrenta batalha de Ravena, uma das primeiras a registrar o uso maciço de armas de fogo na Europa.
Em 1513, de volta a Sevilha, Cabeza de Vaca tornou-se servidor do duque de Medina Sinôdia, um monarquista, e durante doze longos anos mergulhou no fragor da guerra civil travada entre a monarquia e os nobres insurretos, chamados comuneros. Segundo Bishop, sua participação na defesa de uma das portas de Sevilha, a de Osário, foi heróica. Mais tarde, em 1527, aos 35 anos, ele foi designado tesoureiro da expedição de Pánfilo de Narváez e navegou rumo à América pela primeira vez.
Durante oito anos, depois de um naufrágio no litoral do Texas, De Vaca, Dorantes, Castillo e Estevan vagaram pelas áridas planícies do sudoeste americano, escapando de uma tribo apenas para caírem prisioneiros de outra. Até que um dia Castillo decidiu fazer o sinal da cruz sobre índios que estavam doentes e eles imediatamente se declararam curados. A partir de então os espanhóis passaram a ser considerados seres sobrenaturais e sua fama espalhou-se rapidamente por toda a região. À medida que avançavam em direção ao México, multidões de índios seguiam seu caminho, chamando-os de “filhos do sol”. Depois de longa marcha, os sobreviventes finalmente chegaram ao México.
Graças a Naufrágios, onde narra toda sua extraordinária aventura, Cabeza de Vaca tornou-se homem relativamente famoso na Espanha. Portanto, não chegou a ser propriamente uma surpresa quando, ao saberem da situação aflitiva e destino incerto dos colonos do rio da Prata, os integrantes do Conselho das Índias o escolheram para o posto de Adiantado. Ainda mais que De Vaca se comprometia a investir 40 mil ducados de sua fortuna pessoal para montar a expedição. Em novembro de 1540, quando sua armada partiu de Cádiz, há mais de três anos nada se sabia na Metrópole sobre o que se passava na região do rio da Prata e em sua malfadada capital, Buenos Aires.
O que sempre esteve por trás da aventura de Cabeza de Vaca no Brasil e no Paraguai, bem como de toda a história da conquista e colonização do rio da Prata, eram as riquezas do Peru – ainda que, na época, elas fossem pouco mais do que uma miragem pois nada se sabia de efetivo sobre o império inca, com suas cidades imponentes, templos e tesouros grandiosos.
No entanto, desde que se iniciara a exploração da costa brasileira ao sul de São Vicente – mais especificamente desde que a armada de dom Nuno Manuel chegara ao rio da Prata em 1514, seguida, dois anos mais tarde, pela expedição de Juan Diaz de Solis –, portugueses e espanhóis concluíram que um reino tão rico quanto o México deveria de fato existir na costa oeste do continente. E que a maneira mais fácil de atingi-lo seria a partir do litoral sul do Brasil.
Entusiasmo para empreender essa marcha pelo vasto sertão desconhecido, no rumo do poente, não faltaria para os conquistadores que houvessem escutado dos índios do sul do Brasil, do Uruguai e do estuário do Prata, as notícias a respeito da Serra da Prata e do misterioso rei Branco que a controlava. De fato, tanto os embarcadiços da armada de dom Nuno quanto os sobreviventes da expedição de Solis voltaram para a Europa impressionados com a coerência entre os relatos feitos por tantas e tão variadas tribos. A certeza de que riquezas fabulosas deveriam estar próximas era tamanha que em poucos anos o rio, antes batizado com o nome de Solis, se tornaria em definitivo rio de la Plata.
A um marinheiro português chamado Aleixo Garcia, integrante da armada de Solis, caberia confirmar a existência efetiva destas terras opulentas graças a uma extraordinária caminhada desde a ilha de Santa Catarina até os contrafortes dos Andes. Depois que Solis foi morto na entrada do rio que durante algum tempo levaria seu nome, sua expedição decidiu retornar à Espanha. Uma das caravelas, porém, naufragou na ponta sul da ilha de Santa Catarina. Da tragédia salvaram-se, entre outros, Garcia, Melchior Ramirez, Henrique de Montes e um mulato chamado Pacheco. Durante mais de década estes náufragos viveriam entre os carijós que ocupavam a ilha.
Em 1524, porém, Garcia partiu em direção ao Peru lá chegando no ano seguinte. Trucidado pelos índios, nas margens do rio Paraguai, quando já empreendia a viagem de volta, ainda assim, ele conseguiu enviar a Santa Catarina mensageiros com peças e amostras de ouro e prata.
Nesta marcha épica, que Cabeza de Vaca iria parcialmente refazer, Aleixo Garcia fora acompanhado por várias dezenas de guaranis e usara o caminho milenar feito por estes índios, o Peabiru (ou “o caminho cujo percurso se iniciou”), que mais tarde os jesuítas do Brasil e do Paraguai denominariam de caminho de São Tomé. A trilha partia de Cananéia, mas podia ser atingida tanto a partir de São Vicente quanto do norte de Santa Catarina, seguindo depois por mais de duzentas léguas até o Peru, sempre com oito palmos de largura e cercada de ambos os lados por determinada erva “que crescia quase meia vara de altura, e mesmo que se queimassem aqueles campos, sempre nascia a erva e do mesmo modo”.3
Antes que Cabeza de Vaca percorresse o Peabiru, outro português o faria, e também em busca das riquezas do Peru. Era Pero Lobo, que Martin Afonso de Souza mandara partir de Cananéia, em setembro de 1531, acompanhado por quarenta besteiros e quarenta espingardeiros, e que prometera retornar em dez meses, “com quatrocentos escravos carregados de ouro e prata”. Lobo e seus homens foram mortos pelos índios na confluência dos rios Iguaçu e Paraná.
Depois da marcha de Cabeza de Vaca, narrada nos primeiros capítulos de seu segundo livro, Comentários, o caminho de São Tomé ficaria bastante mais conhecido. Foi largamente trilhado não só pelos castelhanos do Paraguai que queriam voltar para a Espanha partindo da costa brasileira, como também pelos escravagistas de São Vicente em busca de “peças” – como chamavam aos índios escravizados. Em 1553 o aventureiro alemão Ulrico Schmidl o utilizou ao partir de Assunção rumo a São Vicente. No século XVII, as bandeiras paulistas também se serviriam desta via de comunicação para destruir as missões jesuítas do Guairá.
Quando Cabeza de Vaca desembarcou na ilha de Santa Catarina em março de 1541, nada sabia sobre o abandono definitivo de Buenos Aires nem sobre a fundação de uma nova cidade rio acima, Assunção. Foi informado de ambos acontecimentos por colonos que haviam fugido de Buenos Aires num batel e que remaram, famintos e nus, até a ilha de Santa Catarina para escapar dos maus-tratos impostos pelos homens de Domingo de Irala que, desde a partida de Pedro de Mendoza e do desaparecimento de seu lugar-tenente Juan de Ayolas (a quem, aliás, Cabeza de Vaca deveria prestar obediência, caso este ainda estivesse vivo), haviam se tornado senhores da situação.
Ao saber da localização de Assunção e do caminho percorrido por Garcia menos de vinte anos antes, De Vaca decidiu ir por terra até a nova cidade. Sua estada de seis meses na ilha de Santa Catarina, bem como sua passagem pelo atual estado do Paraná contrastam brutalmente com a atuação dos portugueses nestas mesmas áreas. Já em 1580, a ilha de Santa Catarina encontrava-se inteiramente despovoada, pois os carijós – que os próprios portugueses costumavam chamar de “o melhor gentio da costa” – haviam sido escravizados pelos comerciantes de São Vicente. O planalto paranaense, por sua vez, seria no século seguinte palco de inumeráveis massacres perpetrados pelos bandeirantes.
Ao chegar em Assunção, Cabeza de Vaca encontrou o autoritário Irala preparando-se para mais uma entrada à procura da lendária Serra da Prata, em busca da qual, anos antes, se finara Juan de Ayolas. Como novo governador, De Vaca suspendeu a expedição e – pior! – estabeleceu uma nova política indigenista que proibia a escravidão e o abuso contra o gentio guarani. Ambas as medidas lhe trouxeram inimigos mortais entre os conquistadores. Indiferente aos protestos, o Adiantado iniciou uma bem-sucedida campanha de pacificação das tribos que viviam nas redondezas da cidade.
Quando tudo parecia em paz em Assunção, o próprio Cabeza de Vaca partiu em busca dos fabulosos domínios do rei Branco e sua inexaurível Serra da Prata. A expedição sofreu terrivelmente com as cheias e os mosquitos do Pantanal mato-grossense e retornou sem ter alcançado seu objetivo. Febril e enfraquecido, Cabeza de Vaca foi então dominado pelos homens de Irala, ficou aprisionado durante quase um ano e foi enviado à Espanha, ainda em ferros, para responder a um processoespúrio.
Dias após a rebelião, o regime escravocrata voltou a ser imposto aos índios que moravam em Assunção e aos que se avizinhavam com a cidade. Por causa disso Irala teve que sufocar – e o fez, a ferro e fogo – uma insurreição indígena que durou três anos e quase dizimou Assunção. Em 1549, porém, já senhor absoluto da situação, o novo Adiantado pôde empreender nova expedição: só então, ao atingir o território de Charcas, ele e seus homens compreenderam – com mais de dez anos de atraso – que o rei Branco era o inca, que a Serra da Prata era Potosi, e que o império que buscavam era o Peru, que fora conquistado por Francisco Pizarro em 1531. “Desfeito o erro geográfico, a região do rio da Prata é esquecida pelo conquistador e desprezada por seus sequazes. O caminho de Cabeza de Vaca perde todo seu valor e até a própria ocupação da costa sul brasileira fenece”, assegura o historiador Caio Prado Júnior.4
Por esta época Cabeza de Vaca encontrava-se no exílio, em Oran, na Argélia. Partira de Assunção, como prisioneiro, no dia 7 de março de 1545, chegando à Espanha em fins de agosto. Pouco mais tarde, em dezembro, começaria a ser julgado em Sevilha. O processo se estenderia por oito longos anos. Contra o ex-Adiantado eram feitas trinta e seis acusações – grande parte das quais sem fundamento algum, conforme a opinião da absoluta maioria dos historiadores.
Mesmo assim, Cabeza de Vaca foi condenado a pagar 10 mil ducados ao Tesouro Real, preso e enviado a Madri. Seu defensor, Alonso de San Juan, recorreu da sentença, mas não pôde contar com o testemunho de habitantes de Assunção (muitos dos quais partidários de Cabeza de Vaca) – e, em Sevilha, encontravam-se apenas testemunhas de acusação, os colaboradores de Domingo de Irala, que tinham dinheiro e poder suficientes para fazer a longa e perigosa viagem da América à Europa.
No início de 1546, Cabeza de Vaca redigiu uma Relación General de sus hechos, como apologia de su conducta e censura de sus enemigos, onde expunha seus pontos de vista com relação aos assuntos mais polêmicos que envolveram sua administração: o tratamento que deveria ser dispensado aos aliados guaranis, o projeto para abolir a escravidão indígena e pacificar as tribos vizinhas a Assunção, o repovoamento de Buenos Aires, a exploração da Serra da Prata. O relatório não parece ter sido suficientemente convincente: no dia 18 de março de 1551, em Valladolid, De Vaca foi oficialmente destituído de seu cargo de Adiantado e enviado para o exílio na África.
Quanto tempo durou a punição é um assunto que os especialistas ainda discutem. É provável que a pena tenha sido comutada quatro anos mais tarde, já que em 1555, ano em que Comentários – livro escrito por Pedro Hernández, relator da expedição e do breve governo de Álvar Núñez – foi impresso e publicado em Sevilha, Cabeza de Vaca, ao que tudo indica, já estava de volta à cidade. Confusão maior, no entanto, cerca os últimos anos de vida, o local e a data da morte de Cabeza de Vaca.
É muito possível que ele tenha morrido em Sevilha, ainda que o inca Garcilaso de la Vega assegure que foi em Valladolid. A data também é bastante discutida: 1557, 1559 e 1564 são as mais citadas. A mesma desinformação cerca também os últimos anos da vida de Cabeza de Vaca. Segundo o historiador Ruy Díaz Guzmán, sua reabilitação foi tamanha que, depois do retorno do exílio, Álvar Núñez teria sido nomeado presidente do Conselho das Índias, recebendo um soldo anual de 2 mil ducados. Outras fontes, porém, asseguram que Cabeza de Vaca tornou-se prior de um convento em Sevilha, cargo que talvez tenha ocupado até sua morte.
O que parece indiscutível é que Cabeza de Vaca foi um homem bastante amargurado nos últimos anos de sua vida. Seu fracasso – como o de todos os conquistadores ligados à descoberta e exploração da região do rio da Prata, do rio Paraná e do Chaco paraguaio – foi imenso. O equívoco geográfico que todos estes homens compartilharam durante mais de trinta anos, a frustração de admitir que a Serra da Prata e o Rei Branco existiam de fato e, acima de tudo, a constatação de que tal reino – o Peru – fora conquistado por um punhado de aventureiros muito menos organizados e aparelhados do que praticamente todas as expedições que, pela via do Prata e do Paraná, haviam partido em busca destas fabulosas riquezas, deve ter arrasado definitivamente com o ânimo de Domingo de Irala e de todos os que o acompanharam nesta malsucedida saga que perdurou por mais de um quarto de século.
Ao contrário do fracasso imediatista de Irala, no entanto, o desmantelamento do projeto de Álvar Núñez Cabeza de Vaca de estabelecer um governo igualitário nos confins da América do Sul e fundamentar as bases de uma política indigenista infinitamente mais ética do que a de seus contemporâneos marcaria muito mais profundamente os destinos do continente. E ao ouro e à prata saqueados se somariam as centenas de culturas indígenas dizimadas em nome da ganância, do etnocentrismo e da prepotência. Arruinou-se assim a utopia do homem que chegou à América disposto a ensinar o mundo a conquistar “pela bondade, não pela matança”.
NOTAS
1. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Visão do Paraíso. Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1969.
2. BISHOP, Morris. The Odissey of Cabeza de Vaca. University of Texas Press. Texas, 1956.
3. RUYZ DE MONTOYA, Antônio. Conquista Espiritual do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Martins Livreiro Editor. Porto Alegre, 1985.
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